sexta-feira, 22 de maio de 2009

Testemunha Ocular


Testemunha Ocular
por Lawrence Brennan


O inglês Lawrence Brennan, diretor-geral do selo Stiletto no Brasil, foi testemunha in loco da invasão psicodélica em solo britânico. Mod aos dezesseis, dois anos depois ele estava no centro da Swinging London, e todas as suas loucuras ele revela neste depoimento à Bizz:


O psicodelismo foi uma coisa bem diferente do que havia antes e do que houve depois. Eu diria que tudo começou com os mods, seus ternos, camisas abotoadas até o pescoço, calças Levi’s... O engraçado é que até que esta moda era bem parecida com a de hoje em dia. Era a youth culture, a “cultura jovem”, muito forte na Inglaterra. Um estilo de viver. A música desse movimento era o soul: Sam & Dave, Wilson Pickett, Otis Redding, Marvin Gaye, tudo da Motown/Stax. Os mods também tinham ligações com as drogas, principalmente a anfetamina. As pessoas tomavam muitas, dez, quinze, vinte às vezes. Lembro-me uma vez que estava usando sapatos novos – italianos, como convinham a um mod – e entrei em club chamado Sin (“Pecado”) por volta da meia-noite. De tanto dançar, quando saí, às seis horas da manhã, havia dois buracos nas solas de meus sapatos. O mod perdurou de 62 até 66, fins de 67. Foi quando surgiu um novo movimento.

A grande diferença era o LSD, pois tanto os mods como os hippies também fumavam maconha, devido ao contato com o s imigrantes negros, do Caribe. Este intercâmbio cultural prova que já havia dentro do mod uma semente do que viria a acontecer com os hippies. No início foi estranho: via amigos meus experimentarem ácido e, como não tínhamos muitas informações a respeito, rotulávamos de bichas aqueles que tomavam. Um grande meu, Derrick, virou hippie logo no começo do movimento. Nos primeiros meses fiquei chocado, pois ele morava no mesmo local que eu e era uma coisa muito louca, as roupas, os cabelos compridos. O cara era um mod tipicamente machista, com um jeito de lutador e, pouco depois, estava usando flores nos cabelos, uma bata azul fosforescente. Eu não acreditva naquilo...


Lembro de uma vez que estava num pub com alguns amigos e entraram quatro hippies – deviam ser alguns dos primeiros de Londres -, eram dois homens e duas mulheres de minha idade, mais ou menos dezoito anos. Percebi que entre eles havia uma nova relação, algo que os mods não conseguiam ter com a s meninas. E eles riam muito. Notei que enquanto eles se divertiam, eu estava lá sentado com meus amigos e os velhos do bar xingando-os de estúpidos e mandando-os embora. Daí em diante, comecei a achar que, embora eu estivesse dôo outro lado, meu coração na verdade estava com eles.


Foi uma breve questão de tempo para eu entrar no movimento. Foi umas duas ou três semanas depois que saiu o Sgt. Pepper’s, em junho de 67. Eu e mais três amigos tomamos LSD para ouvir o disco e começamos a ter uma percepção totalmente diferente a respeito do som. Era como se em certas partes a rotação do toca-discos se tornasse mais rápida ou mais lenta, com um brilho que nunca tínhamos ouvido antes. Conheci um monte de pessoas que tiveram exatamente a mesma sensação com este álbum. Estranho, não é? Depois disto, esta experiência praticamente mudou minha vida. Comecei a usar cabelos compridos, roupas multicoloridas, tênis sem meias... Meus pais achavam que eu parecia um mendigo. Quando se toma ácido direto, seu gosto em se vestir muda radicalmente. Você quer expressar seu psicodelismo em roupas cheias de estampas, blusas coloridas que na época só serviam mulheres e começaram a serem usadas também por homens, colares, pulseira, túnicas... Pesava um pouco andar pelas ruas, especialmente no início. Muita gente chegava e dizia: “Filhos da puta, bichas, vão trabalhar!” Até os ônibus paravam para xingar os hippies. Mesmo em Londres, os ingleses demoraram a se acostumar com estas pessoas de modo diferente de viver e só passaram a encará-las com naturalidade quando o movimento já havia virado moda e já estava em toda parte.

Em termos de música, o psicodelismo era muito forte. Havia incríveis pontos de encontro, como, por exemplo, o Eletric Garden, cujo DJ era John Peel. E o clube UFO, onde cheguei a ver o Pink Floyd de Syd Barrett, umas quarenta vezes, sem exagero. Cheguei até a assisti-los anteiormente, quando eram uma banda mod que tocavam soul music, material da Stax e Motown. Ai está: eles eram mods e se tornaram-se psicodélicos, uma espécie de combinação dos movimentos. Foi no UFO que comprei ácido pela primeira vez. Era um lugar muito louco, cheio de spots, e quando entrei vi a platéia quase só de hippies com flores nas mãos, chapados, ouvindo a banda tocar. Era simplesmente inacreditával. O Eletric Garden era outro lugar fantástico. Lembro de um show genial do Soft Machine lá, onde eles começaram apenas com um light show. Pouco depois, entrou o baterista e tocou uma levada que durou uns vinte minutos, até a entrada em cena do baixista, que por mais uns vinte minutos tocou com ele um dueto. No mesmo esquema foram entrando um a um os outros integrantes da banda que terminaram todos por improvisarem apenas em cima deste longo e lisérgico tema, enquanto platéia encharcada de ácido delirava. Este era o circuito das bandas e do pessoal psicodélico: UFO, Eletric Garden... Havia também o Roundhouse, no qual os grupos tocavam mais esporadicamente, mas era um lugar maior e sem o mesmo clima íntimo dos outros dois.




Além do Pink Floyd e do Soft Machine, havia outros grupos incríveis dentro do psicodelismo: The Crazy World of Arthur Brown, Small Faces, Tomorrow e, é claro, o Jimi Hendrix Expirience. Em resumo, foi um som que tomou conta do panorama musical do mundo, da mesma maneira que o comportamento, as roupas e as drogas dos hippies abriram as portas para outros modos de vida alternativos. E é interessante notar que, neste período entre 67 e 68, milhões de pessoas no mundo passaram por esta experiência. Era como se houvesse uma espécie de percepção inconsciente e coletiva de que, a partir daquele momento, todas as relações seriam diferentes.





FONTE: revista Bizz, s/n, s/d.