(Shimmy Marcus, 2010, UK)
Conheça a história do northern soul aqui no blog.
por André Forastieri e José Augusto Lemos
Turn on, tune in, drop out, o slogan máximo do psicodelismo, criado por Timothy Leary, pode sugerir hoje ranço e hippismo.
Afinal, pós-perestroika, as drogas foram eleitas inimigo número um da Civilização Ocidental. E entre seus consumidores — um mercado global que movimenta cerca de cem bilhões de dólares ao ano, quase a dívida externa brasileira — as químicas mais procuradas não são mais as alucinágenas, mas as estimulantes: cocaína, crack, anfetaminas diversas. A maconha continua popular, mas seu consumo cai regularmente no mundo inteiro há anos.
Substâncias alteradoras do funcionamento da mente são cada vez mais malvistas. Para a geração que cresceu sob a ofensiva antidrogas de Reagan, é inimaginável o fato de que há pouco menos de trinta anos a utilização de alucinógenos como expansores da consciência era defendida com unhas e dentes por uma fração razoável da elite científica do planeta.
A psicodelia — “manifestação do espírito”, em grego — tem raízes milenares. Praticamente todas as civilizações de que se tem notícia usaram um ou outro tipo de alucinógeno, quase sempre com fins religiosos. Mas a maneira como o movimento psicodélico floresceu no início dos anos 60, principalmente na costa oeste dos EUA, tem uma base distinta no New Deal, politica de realinhamento econômico promovida nos anos 30 e 40 pelo presidente Franklin Roosevelt.
A América pós-New Deal foi pautada por quatro explosivos elementos: o maior desenvolvimento econômico da história, a maior distribuição de renda, a maior expansão da rede de comunicações, a maior explosão demográfica. O termo baby boom é perfeito: entre 1946 e 1964, 86 milhões de crianças foram colocadas numa sociedade superafluente, em meio à uma explosão informacional inédita. A televisão colocou o mundo ao alcance de todos e forneceu a essa geração uma fortíssima ilusão de livre arbítrio.
O material humano para a aventura psicodélica já estava, portanto, em ponto de bala. O material químico também: já em 1938, o bioquímico suíço Albett Hoffman havia sintetizado o vigésimo-quinto derivado do ácido lisérgico, mais conhecido como LSD.25. Em 1958, sintetizou a psilocibina, princípio ativo dos “cogumelos mágicos” mexicanos. E a maconha, claro, já era consumiria nos circuitos jazzísticos.
A Califómia dos anos 50 foi um foco privilegiado para o nascimento da chamada “contracultura”, reunindo artistas expatriados como Aldous Huxley e a produção local dos hipsters e beatniks, amantes do jazz e da poesia libertária de Walt Whitman e Thoreau. Na linha de frente, o grupo de escritores beat, comandado por Jack Kerouac, Alien Ginsberg e a farmácia ambulante, cobaia de si mesmo na experimentação de toda e qualquer droga, William S. Burroughs. Entre eles, o interesse pelo hinduísmo e pelo zen-budismo (disseminados pelos escritores Alan Watts e D.T. Suzuki) lançava as sementes para o movimento hippie da década seguinte.
A primeira bíblia do psicodelismo veio assinada por Aldous Huxley, descrevendo sua experiência com a mescalina, princípio ativo do peiote (cacto mexicano). Editado em 54, As Portas Da Percepção adquiria uma credibilidade com que os beatniks não podiam sonhar; seu autor era um romancista e ensaísta inglês consagrado. Em seu leito de morte, em 63, Huxley pediu uma dose de LSD.25, não recusada. (O ácido lisérgico, comercializado em cubinhos de açúcar e depois papel mata-borrão, só foi proibido em outubro de 66.)
A coisa toda poderia ter continuado como uma brincadeira de elite, como o ópio entre os poetas românticos ingleses e o haxixe entre os românticos e simbolistas franceses (Théophile Gautier, Baudelaire e Nerval chegaram a fundar um Clube do Haxixe na Paris do século dezenove). As comunicações de massa não deixaram, ajudadas pelo doutor em psicologia clinica Timothy Leaiy, professor da prestigiosa universidade de Harvard, que desde 60 pesquisava a psilocibina e o LSD, até ser expulso em 63. Perseguido pelo establishment e sem dinheiro para continuar suas pesquisas, Leary viu a saída apontada numa conversa com o mais influente teórico das comunicações dos 60, Marshall McLuhan. O conselho: "Se você realmente acredita no LSD, faça proselitismo, palestras, happenings, shows, coisas criativas. Não perca urna chancede divulgar suas idéias na mídia. Se você ficar sozinho, está ferrado”. Leary seguiu-o à risca — com enorme sucesso. O livro reunindo suas palestras e entrevistas — The Polítics of Ecstasy — tornou-se a segunda bíblia psicodélica.
Quando veio a década de 60, São Francisco já cultivava a boêmia beatnik como uma tradição e, aos poucos, seu cenário musical começou a refletir isso. O culto ao jazz foi trocado por uma onda de folk de protesto, que por sua vez fez a transição para o rock psicodélico da primeira geração: Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Moby Grape e o maior de todos, o Grateful Dead — com sua legião de seguidores, batizados “deadheads”. Comandado por Jerry Garcia, o grupo participou integralmente dos acid tests (festas de som e imagem, a primeira versão das atuais raves inglesas) organizados pelo escritor Ken Kesey e sua turma, os Merry Pranksters. Quem lê inglês, não deve perder TheEletric kool-Aid Acid Test, de Tom Wolfe, que acompanhou todo o trajeto dos Merry Pranksters e, por tabela, escreveu a história definitiva do movimento hippy.
O florescimento do psicodelismo — que teve seu auge entre 65 e 66, e iniciou sua massificação mundial em 67, o chamado “Verão do Amor” logo fez uma ponte com a Europa, através de Londres. Carnaby Street, com suas butiques hippy, passou a ser o equivalente à esquina da rua Haight com a rua Ashbury, o centro do turbilhão em São Francisco. O intercâmbio era feito basicamente através de rock stars em turnê. Segundo a lenda, os Beatles fumaram maconha pela primeira vez com Bob Dylan; e Tom Wolfe descreve, no livro citado, o primeiro contato do quarteto de Liverpool com o underground californiano.
Em pouco tempo, Londres tinha no Pink Floyd o seu Grateful Dead. Com um light show lisérgico e encabeçado pelo freak Syd Barrett, o grupo era a principal atração do underground e não perdeu o séquito de fãs quando, contratado pela Columbia, passou a freqüentar as paradas de sucesso.
A descoberta de que o flower power já contava com uma multidão de adeptos se deu com a organização de um festival de grupos psicodéiicos organizado pelos Merry Pranksters e o Grateful Dead: grátis, ao ar livre, o First Human Be-ln reuniu milhares no Golden Gate Park, em janeiro de 67 em São Francisco. A indústria fonográfica — sediada ao lado, em Los Angeles — percebeu o potencial e, em junho do mesmo ano, promoveu o Monterey Pop Festival. A movimentação era divulgada via satélite para o mundo todo, mas a contracultura criava seus próprios sistemas de divulgação: rádios pirata, fanzines, gibis underground, jornais como o Detroit Free Press, revistas como Rolling Stone, International Times e — na Inglaterra, IT e Oz. A reação veia a cavalo, com a maioria conservadora dos EUA elegendo Nixon em 68 e as grandes empresas aproveitando a onda — como a Wamer Bros. ao transformar o festival de Woodstock num megaevento de marketing. Morreram Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones, Jim Morrison, e John Lennon arriscou um epitáfio: “O sonho acabou”.
Acabou nada. A contracultura e a psicodelia — mesmo banalizadas em musicais como Hair — foram um salto evolutivo no comportamento da raça humana, com um saldo político inegável. Na música pop nem se fala. Muito antes que o De La Soul sampleasse os ultrapsicodélicos Turtles, e o cenário acid house detonasse o verão londrino de 86 (com a adoção de um novo químico, o ecstasy), sua influência já podia ser sentida, de toda uma safra pós-punk inglesa ao funk de Prince. Boa parte da cultura pop vive hoje da criação de novas embalagens para os mitos dos 60 — para enorme alegria dos executivos das gravadoras e do establishment em geral, que preferem lidar com nostalgia inofensiva do que com novas formas de subversão.
Quem quiser saber mais sobre a movimentação dos 60 tem pelo menos dois bons livros à disposição no mercado brasileiro. Flashbacks, autobiografia de Leary, traça o mapa do sonho psicodélico. Las Vegas Na Cabeça, do jornalista gonzo e integrante da equipe original da Rolling Stone, Hunter S. Thompson, mostra com humor negríssimo o outro lado da moeda, a derrocada dos mais altos ideais da contracultura.
Fonte: Revista ShowBizz, ano 1990, sem número, pags 34-35
Os "Piratas" da Resistência
por JM e SV
Embora ainda considerados pela história oficial criminosos comuns, os Piratas Edelweiss escreveram um capítulo na história da resistência ao nazismo. Jovens e avessos ao regime, eles sonhavam, entre outros, com o longínquo Rio de Janeiro.
A origem do nome não é certa. O que se sabe é que o movimento juvenil conhecido como Os Piratas Edelweiss (Edelweiss Piraten) não teve final feliz. Em novembro de 1944, a Gestapo enforcou 13 adolescentes nas dependências de uma residência em Colônia. Os adeptos daquilo que simbolizava uma alternativa à Juventude de Hitler (Hitler Jugend), sabotadores do regime nazista, arriscaram não apenas serem detidos e torturados, mas suas próprias vidas.
Hoje, 60 anos depois, a história oficial ainda registra os jovens Piratas Edelweiss como meros ladrões e criminosos. Seus atos de resistência, embora ignorados pelas autoridades na Alemanha, já obtiveram o reconhecimento até mesmo do Estado de Israel. Em 1984, o Memorial Yad Vashem prestou uma homenagem a Jean Jülich, um dos sobreviventes do grupo.
Recuperando Registros da Memória
Enquanto as autoridades em Colônia debatem sobre a possibilidade de reescrever a história da resistência feita pelos Piratas Edelweiss, Jülich já publicou suas memórias há cerca de um ano, sobre as quais se produziu um documentário –...Piratas Edelweiss, eles são fiéis. Além disso, no CD Foi em Xangai bandas de Colônia interpretam canções dos Piratas. Um DVD e um livro sobre o assunto completam o projeto. Todas as obras são fruto de um trabalho árduo, uma vez que todo o material foi recolhido através da lembrança dos sobreviventes.
Estima-se que havia, nos anos que antecederam o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de três mil Piratas Edelweiss vivendo em Colônia e mais centenas de outros nas cidades vizinhas. Estes jovens não estavam aliados a nenhuma facção política ou organização religiosa, nem tampouco o movimento possuía uma estrutura organizada.
O que tinham em comum era não se identificarem com a ideologia propagada pela Juventude de Hitler, após a ascensão dos nazistas nos anos 30. Eram, em princípio, um grupo de adolescentes rebeldes como outro qualquer. A diferença é que viviam sob um sistema extremamente autoritário, sendo que muitos deles acabaram pagando o preço disso com suas próprias vidas.
Subcultura Própria
Nicola Wenge, historiadora do Centro de Documentação sobre o Nazismo em Colônia (cuja sede fica em um dos antigos quartéis da Gestapo), "os Piratas Edelweiss criaram sua própria subcultura nas regiões do Reno e do Ruhr, ao usar determinado estilo de roupas, cantar suas baladas românticas e, mais tarde, canções antinazistas".
Ao contrário do que determinavam as normas do regime, o movimento permitia a interação entre garotos e garotas, que viajavam juntos pela região, levando com freqüência um violão e uma gaita. "Por esta razão, eram perseguidos pela Juventude de Hitler, pela polícia e pela Gestapo. E até mesmo pela Justiça, que os tratava como criminosos e delinqüentes sexuais", conta Wenge.
Sabotagem e Riscos
Quando os aliados bombardearam Colônia e a ordem pública foi se desestabilizando aos poucos, os Piratas Edelweiss começaram a sabotar fábricas de munição e a colocar, por exemplo, água com açúcar nos tanques de gasolina de carros pertencentes aos nazistas. Além disso, distribuíam folhetos de propaganda contra o regime. Em 1944, porém, vários adeptos do movimento foram presos. Jülich, que na época tinha apenas 15 anos, passou quatro meses preso em uma cela em Colônia, tendo sido interrogado e torturado pela Gestapo. Outros 13 companheiros dele foram enforcados, o mais jovem deles tinha apenas 16 anos.
Culpa Coletiva e Exceções
Para a historiadora Wenge, os Piratas Edelweiss deveriam ser reconhecidos oficialmente como vítimas do nazismo, embora ela alerte para uma certa cautela no uso do termo resistência neste contexto. "Eu descreveria o movimento como uma conduta de oposição", opina Wenge, lembrando porém que distribuir panfletos, disseminar slogans contra o regime nos muros da cidade ou remover bandeiras nazistas eram ações que exigiam uma boa dose de coragem.
O reconhecimento do que foi feito pelos Piratas Edelweiss toca mais uma vez em um tema sensível na Alemanha: a culpa coletiva pelos horrores cometidos durante o holocausto da Segunda Guerra. Enquanto muitos defendem a idéia de que é preciso reaver a memória sobre o que foi um movimento de resistência ao nazismo, outros aconselham cautela em relação à tendência de supervalorizar comportamentos que foram uma exceção, se comparados ao da maioria da população na época.
Rumo ao "Rio de Schaniro"?
O desejo de abandonar a Alemanha nazista foi certamente um dos elementos que acompanharam estes adolescentes durante o período. No porão da casa onde estiveram presos os Piratas Edelweiss, pode-se ler a inscrição Rio de Schaniro encravada na parede. "Supõe-se que se trata de uma referência a Quando as Sirenes Ressoam, uma das várias canções que falam de lugares longínquos", diz Jan Krauthäuser, um dos responsáveis pelo projeto de produção do CD Foi em Xangai.
"Esta postura não é atípica na história da cultura alemã e durante a repressão, através da ditadura nazista, foi ainda mais alimentada. Sabemos de várias vítimas do nazismo, que durante ou depois da guerra procuraram outros lugares para viver. Mas se, concretamente neste caso, há ex-Piratas Edelweiss que chegaram a ir para o Rio ou para outros lugares do Brasil não sabemos. Para nós, seria muito interessante entrar em contato com possíveis Piratas Edelweiss brasileiros, se é que eles existem", completa Krauthäuser.