terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Northern soul aplicado ao cinema


(Shimmy Marcus, 2010, UK)

Conheça a história do northern soul aqui no blog.

Trecho

Você mora numa cidade perdida em algum lugar do norte daInglaterra. Centenas de fábricas ocupam o horizonte com chaminés, poluindo o céu com um vômito de fumaça cinzenta e escura. Durante a semana, em uma dessas fábricas, você trabalha numa escravidão das nove às cinco: manejando na linha de produção, varrendo o curral, removendo merda. O trabalho é ingrato, mas ele te paga o suficiente para você viver. Mais importante, ele te paga o suficiente para você sair e dançar. Porque embora a fábrica talvez seja seu trabalho, isso certamente não é a sua vida. Todos os finais de semana, você viaja para outras cidades perdidas do norte, se veste legal, se entope de drogas e dança pra valer músicas obscuras de soul music, sonhando o tempo todo com cantores de impossíveis lugares glamourosos como Detroit, Chicago e Philadelphia. Sua vestimenta é fora de moda, mas bastante prática. Das suas polos brancas daFred Perry descendo para seus sapatos de sola de couro Ravel, tudo que você veste é para conforto e agilidade. As drogas que você toma também são práticas: um exército de anfetaminas, engolidas para o único propósito de deixar você na pista de dança até o amanhecer. 

Tradução de Márcio Custódio

Casual aplicado ao cinema


(Pat Holden, 2009, UK)

Awaydays, O Filme Casual


Na linha de This is England, o filme que estreou recentemente entre nós e que já alguns meses tinhamos recomendado. Surge agora este Awaydays. Baseado no livro de Kevin Sampson, que retratava fielmente a cena Casual, que surgiu no final dos anos 80 em Inglaterra. Neste novissimo Awaydays, um grupo de amigos reune-se á volta de futebol, roupa desportiva, música, copos e alguma porrada com grupos rivais.

Enfim, estavamos nos anos 80, Margaret Tatcher governava com a sua mão de ferro e os jovens tinham-se de entreter com alguma coisa. Vivia-se muito na rua e nela havia códigos próprios que surgiam diariamente entre os jovens ingleses. O punk ardeu rápido, o mod revival já era e o Casual nascia nesse preciso momento, inspirado nas viagens dos apoiantes/supporters ás competições europeus de futebol das equipas inglesas que traziam para as ilhas o último grito das marcas desportivas italianas e do norte da europa.

A banda sonora está repleta de bandas conhecidas... Esperamos notícias sobre a estreia deste filme no nosso pais, em data ainda desconhecida. Este Awadays estreia no Reino Unido no próximo dia 22 de Maio.

Soul aplicado ao cinema


(Alan Parker, 1991, UK)

Originalmente, foi uma versão secular da música gospel. O soul era a principal forma de black music dos anos 1960 e 1970. No princípio era considerado pelos músicos de jazz como sinônimo de música autêntica e sincera. Durante sua evolução nos anos 1960, o soul representou uma fusão entre o estilo de canto gospel e os ritmos funk. Nos anos de 1950, usou-se o termo funk para designar uma forma de jazz moderno, que se concentrava no “suingue”; nos 1960, designou tanto o rhythm ‘n’ blues como a música soul, principalmente as gravações de James Brown, o “Soul Brother Number One”.

Muitas vezes uma forma de balada, o gênero tinha como tema central o amor. A música soul identificou-se intimamente com diversas gravadoras independentes: Atlantic, Stax/Volt e Motown; cada uma com sua equipe de intérpretes e um som identificável, associadas a uma localização geográfica e um cenário musical, como Detroit, Filadélfia, ou os estados sulistas dos Estados Unidos. A música soul foi importante politicamente durante os anos de 1960, paralelamente ao movimento dos direitos civis. Entre os cantores de destaque, incluíam-se, nos anos de 1950, Sam Cooke e Jack Wilson; nos anos de 1960, Bobby Bland, Aretha Franklin, Otis Redding e Percy Sledge, cujo single “When a Man Loves a Woman”, de 1966, foi a primeira gravação soul sulista a cruzar estilos e atingir simultaneamente o topo das paradas de sucessos de rhythm ‘n’ blues e pop.

No final dos anos de 1970, a música soul deixou de ser um gênero identificável, send absorvida gradualmente por diversas formas híbridas de black music e dance music. Porém, seus principais intérpretes e discos ainda possuem um número considerável de admiradores, como indicou a venda dos álbuns de compilações da música soul e o sucesso internacional do filme The Commitments (Alan Parker, 1991), com sua trilha sonora de covers da música Soul.

Fonte: Vocabulário de Música Pop, Roy Shuker, Editora Hedra (1999)

Skinhead & Mod aplicados ao cinema

Moonstomp
directed by Michaell Korell, 1996





Young Birds Fly
directed by Leonardo Flores, 2006





Moonstomp & Young Birds Fly

Essas são duas singelas homenagens a duas subculturas, o skinhead e o mod, que surgiram ainda nos anos 60 e de uma maneira ou outra estiveram ligadas a música jamaicana. Ambas partilhavam o mesmo gosto tanto pela soul music norte-americana, como pela música jamaicana, seja ska, roksteady ou reggae.

Moonstomp é um curta lançado em 1996 e mostra um rude boy e um skinhead em seu curto enredo, podendo pegar despercebido quem espera uma típica cena de violência racial. Destaque para as músicas de fundo.

Young Birds Fly se centra na cultura mod e na vida de três jovens garotas. Ao que parece o filme aguarda lançamento. Leia resenha aqui no Crop nº 1


Hooliganismo aplicado ao cinema


Quando se escuta a palavra "hooligan" o que vem a sua mente? Aposto que você pensou em futebol e violência. Mais a vida desse tipo social já gerou alguns filmes que mostram que seu cotidiano vai além desse binômio. 

A difusão massiva do termo hooligan nasceu na Inglaterra junto com a Copa Mundial de futebol de 1966, quando a mídia passou a se referir assim aos fãs de futebol "mais animados". Aqui na América Latina temos o termo correlato barra bravas, surgido na Argentina no começo dos anos 60, cunhado pela mídia e inicialmente chamado de barra fuerte. Outro termo usado para nomear os ardorosos fãs de fotebol é ultras. Esse surge na Itália dos anos 60, mas só começa a ganhar notoriedade na década de 80. O termo ultras por vez possui conotação mais política e é usado por torcidas que se identificam desde a extrema direita até a extrema esquerda.

Em alguns lugares da Europa os fanáticos por futebol vieram a criar subculturas dentro de subculturas, como o caso do skinhead que herdou o gosto por futebol de seu avô hooligan e os casuals dos anos 70 na Inglaterra, surgidos dentro do hooliganismo e amantes de roupas esportivas, como os casacos e tênis da Adidas.

O fato é que o tema foi apropriado pelo cinema e gerou várias películas, produzidas desde 1988 até 2009. The Firm, de 1988, foi feito para a TV e refilmado para o cinema em 2009, infelizmente não achei vídeo do original. Lixo Jovem fez uma listinha para compartilhar com seus leitores os filmes que retrataram o cotidiano do fã de futebol. Se você quer ir além da locadora procure o livro Entre os Vandalos, escrito por Bill Buford, criador do terno "hooliganism". O livro foi publicado no Brasil pela Companhia das letras.


I.D (1995)



The Football Factory (2004)



Green Street Hooligans (2005)



Rise of The footsoldier (2007)



Cass (2008)


Awaydays (2009)


The Firm (2009)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Testemunha Ocular


Testemunha Ocular
por Lawrence Brennan


O inglês Lawrence Brennan, diretor-geral do selo Stiletto no Brasil, foi testemunha in loco da invasão psicodélica em solo britânico. Mod aos dezesseis, dois anos depois ele estava no centro da Swinging London, e todas as suas loucuras ele revela neste depoimento à Bizz:


O psicodelismo foi uma coisa bem diferente do que havia antes e do que houve depois. Eu diria que tudo começou com os mods, seus ternos, camisas abotoadas até o pescoço, calças Levi’s... O engraçado é que até que esta moda era bem parecida com a de hoje em dia. Era a youth culture, a “cultura jovem”, muito forte na Inglaterra. Um estilo de viver. A música desse movimento era o soul: Sam & Dave, Wilson Pickett, Otis Redding, Marvin Gaye, tudo da Motown/Stax. Os mods também tinham ligações com as drogas, principalmente a anfetamina. As pessoas tomavam muitas, dez, quinze, vinte às vezes. Lembro-me uma vez que estava usando sapatos novos – italianos, como convinham a um mod – e entrei em club chamado Sin (“Pecado”) por volta da meia-noite. De tanto dançar, quando saí, às seis horas da manhã, havia dois buracos nas solas de meus sapatos. O mod perdurou de 62 até 66, fins de 67. Foi quando surgiu um novo movimento.

A grande diferença era o LSD, pois tanto os mods como os hippies também fumavam maconha, devido ao contato com o s imigrantes negros, do Caribe. Este intercâmbio cultural prova que já havia dentro do mod uma semente do que viria a acontecer com os hippies. No início foi estranho: via amigos meus experimentarem ácido e, como não tínhamos muitas informações a respeito, rotulávamos de bichas aqueles que tomavam. Um grande meu, Derrick, virou hippie logo no começo do movimento. Nos primeiros meses fiquei chocado, pois ele morava no mesmo local que eu e era uma coisa muito louca, as roupas, os cabelos compridos. O cara era um mod tipicamente machista, com um jeito de lutador e, pouco depois, estava usando flores nos cabelos, uma bata azul fosforescente. Eu não acreditva naquilo...


Lembro de uma vez que estava num pub com alguns amigos e entraram quatro hippies – deviam ser alguns dos primeiros de Londres -, eram dois homens e duas mulheres de minha idade, mais ou menos dezoito anos. Percebi que entre eles havia uma nova relação, algo que os mods não conseguiam ter com a s meninas. E eles riam muito. Notei que enquanto eles se divertiam, eu estava lá sentado com meus amigos e os velhos do bar xingando-os de estúpidos e mandando-os embora. Daí em diante, comecei a achar que, embora eu estivesse dôo outro lado, meu coração na verdade estava com eles.


Foi uma breve questão de tempo para eu entrar no movimento. Foi umas duas ou três semanas depois que saiu o Sgt. Pepper’s, em junho de 67. Eu e mais três amigos tomamos LSD para ouvir o disco e começamos a ter uma percepção totalmente diferente a respeito do som. Era como se em certas partes a rotação do toca-discos se tornasse mais rápida ou mais lenta, com um brilho que nunca tínhamos ouvido antes. Conheci um monte de pessoas que tiveram exatamente a mesma sensação com este álbum. Estranho, não é? Depois disto, esta experiência praticamente mudou minha vida. Comecei a usar cabelos compridos, roupas multicoloridas, tênis sem meias... Meus pais achavam que eu parecia um mendigo. Quando se toma ácido direto, seu gosto em se vestir muda radicalmente. Você quer expressar seu psicodelismo em roupas cheias de estampas, blusas coloridas que na época só serviam mulheres e começaram a serem usadas também por homens, colares, pulseira, túnicas... Pesava um pouco andar pelas ruas, especialmente no início. Muita gente chegava e dizia: “Filhos da puta, bichas, vão trabalhar!” Até os ônibus paravam para xingar os hippies. Mesmo em Londres, os ingleses demoraram a se acostumar com estas pessoas de modo diferente de viver e só passaram a encará-las com naturalidade quando o movimento já havia virado moda e já estava em toda parte.

Em termos de música, o psicodelismo era muito forte. Havia incríveis pontos de encontro, como, por exemplo, o Eletric Garden, cujo DJ era John Peel. E o clube UFO, onde cheguei a ver o Pink Floyd de Syd Barrett, umas quarenta vezes, sem exagero. Cheguei até a assisti-los anteiormente, quando eram uma banda mod que tocavam soul music, material da Stax e Motown. Ai está: eles eram mods e se tornaram-se psicodélicos, uma espécie de combinação dos movimentos. Foi no UFO que comprei ácido pela primeira vez. Era um lugar muito louco, cheio de spots, e quando entrei vi a platéia quase só de hippies com flores nas mãos, chapados, ouvindo a banda tocar. Era simplesmente inacreditával. O Eletric Garden era outro lugar fantástico. Lembro de um show genial do Soft Machine lá, onde eles começaram apenas com um light show. Pouco depois, entrou o baterista e tocou uma levada que durou uns vinte minutos, até a entrada em cena do baixista, que por mais uns vinte minutos tocou com ele um dueto. No mesmo esquema foram entrando um a um os outros integrantes da banda que terminaram todos por improvisarem apenas em cima deste longo e lisérgico tema, enquanto platéia encharcada de ácido delirava. Este era o circuito das bandas e do pessoal psicodélico: UFO, Eletric Garden... Havia também o Roundhouse, no qual os grupos tocavam mais esporadicamente, mas era um lugar maior e sem o mesmo clima íntimo dos outros dois.




Além do Pink Floyd e do Soft Machine, havia outros grupos incríveis dentro do psicodelismo: The Crazy World of Arthur Brown, Small Faces, Tomorrow e, é claro, o Jimi Hendrix Expirience. Em resumo, foi um som que tomou conta do panorama musical do mundo, da mesma maneira que o comportamento, as roupas e as drogas dos hippies abriram as portas para outros modos de vida alternativos. E é interessante notar que, neste período entre 67 e 68, milhões de pessoas no mundo passaram por esta experiência. Era como se houvesse uma espécie de percepção inconsciente e coletiva de que, a partir daquele momento, todas as relações seriam diferentes.





FONTE: revista Bizz, s/n, s/d.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mad Mad Mod



As moças “mod” e os rapazes inglêses saem à rua, todos os dias, com o sol do meio-dia, passeando pelas boutiques e antiquários de Londres, em busca de tesouros raros e estranhos, como peles de rato, uniformes do século passado e outros trajes requintados da época eduardiana.

Por Robert Musel (UPI, Londres)


A última novidade em Carnaby Street é metade dessa rua ser agora, da propriedade pessoal do símbolo britânico do conservadorismo, a Rainha Elizabeth II. Os homens que administram as vastas propriedades da Rainha sentiram que poderiam obter grandes lucros na rua que comanda a moda pop, bem como em todos os lugares que retratam a agitada Londres. Assim, a Coroa é dona, atualmente, de todo o lado ocidental da rua, juntamente com uma área bastante dilapidada, mais ou menos um quarto de acre, que se transformará numa zona de boutiques depois de uma despesa de mais de trezentos mli dólares em urbanização.

Carnaby Street é o berço da minúscula micro-saia e a visão de uma moça tentando sentar-se no ônibus ou no metrô merece ser conservada reverentemente na memória do turista, lado das jóias da Coroa e do Big Ben.


Os londrinos já não se surpreendem com as novas modas e mal notam as moças mod e os rapazes de cabelos compridos com vestes de sêda e babados de renda em volta do pescoço. O que surpreende os londrinos é o fato de essas modas terem nascido em Carnaby Street. Esta pequena e insípida rua, na fronteira mais decadente do Soho, o bairro dos clubes de jazz e dos restaurantes típicos, estava morrendo em silêncio, quando, há cerca de l0 anos, o fogo destruiu o atelier de um costureiro de 20 anos, John Stephens. Esse atelier econtrava-se em Beak Street, urna pequena rua bastante perto de Carnaby Street

O senhorio de Stephens, depois do incêndio, ofereceu-lhe um novo local em Carnaby Street. A mudança também mudou a sorte do jovem costureiro. Seus desenhos, e mesmo ele confessava que eram bastante fora do comum, pegaram e viraram moda. Hoje, em virtude de seu sucesso, existem numerosas lojas comprimidas em pouco mais de 100 metros de rua, sendo seis delas de propriedade do agora rico John Stephens.

Os primeiros fregueses da rua foram rapazes e moças da classe trabalhadora, que se apinhavam na estreita calçada, empurrando-se uns aos outros, na ânsia de verem tudo o que havia nas vitrinas das estranhas lojas, de nomes como Lord John of Carnaby Street, Gear, The Camp e Domino Male.

Depois, os ricos e os nobres também vieram olhar e, por vezes, comprar. Mais tarde, chegaram os turistas, atraídos pela magia do nome da rua, que depressa se espalhara pelos quatro cantos do inundo. Os fregueses mais conhecedores encontravam coisas que lhes agradavam, por certo, mas a maioria das roupas à venda, não havia dúvida, eram muito mal acabadas e mesmo deselegantes.

Os compradores depressa se tornaram exigentes e, agora, Carnaby Street tem de fazer frente a uma forte concorrência não só de boutiques de outras ruas de Londres, como Hung On You e I Was Lord Kitchener’s Valet, mas também de costureiros e lojas de outras cidades do mundo. Carnaby Street tornou-se um símbolo da revolução na moda dos jovens e, aconteça o que acontecer, pode dizer-se que influenciou as roupas do nosso tempo, da mesma forma como Savile Row o fêz no que respeita às gerações passadas.


De início, John Stephens dedicou-se à moda jovem masculina. Depois, Courréges, da França, lançou a saia por cima dos joelhos — um estilo que as môças inglêsas adotaram imediatamente. Em seguida, as saias continuaram a encolher, até que algumas chegaram a ficar 15 centímetros acima dos joelhos.

Carnaby Street tem sido o ponto de partida de várias modas, muitas delas totalmente loucas. Lançou, por exemplo, uma jaqueta de estilo militar. Os antiquários do mercado de Portobelo Road ofereceram-se prontamente para vestir os jovens com velhos uniformes de general ou almirante, cobertos de enfeites dourados. Depois, a moda mudou para as capas de policiais, roupa que foi usada por quase todas as vendedoras das lojas de discos. Mais tarde, vieram os ternos listrados dos gangsters de 1920.

Para os turistas, Carnaby Strcet lançou a venda em massa de bandeiras inglesas. O emblema nacional, a Union Jack, pode ser encontrado em posters, nas roupas, em travesseiros e até em volta de latas contendo “ar de Londres”. Mas, enquanto você estiver em Carnaby Street, não procure esconder qualquer coisa no bolso. Os astutos jovens negociantes estão dc olho em sua louca clientela e já estão instalando circuitos fechados de televisão para reduzir o número de roubos.



Fonte: Vários Autores, Explosão da Juventude, Editora Expressão e Cultura: Rio de Janeiro, 1970, pgs. 83-85

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Psicodelia Para Principiantes: Ligue-se... Sintonize... Caia Fora (do Sistema)




por André Forastieri e José Augusto Lemos


Turn on, tune in, drop out, o slogan máximo do psicodelismo, criado por Timothy Leary, pode sugerir hoje ranço e hippismo.

Afinal, pós-perestroika, as drogas foram eleitas inimigo número um da Civilização Ocidental. E entre seus consumidores — um mercado global que movimenta cerca de cem bilhões de dólares ao ano, quase a dívida externa brasileira — as químicas mais procuradas não são mais as alucinágenas, mas as estimulantes: cocaína, crack, anfetaminas diversas. A maconha continua popular, mas seu consumo cai regularmente no mundo inteiro há anos.

Substâncias alteradoras do funcionamento da mente são cada vez mais malvistas. Para a geração que cresceu sob a ofensiva antidrogas de Reagan, é inimaginável o fato de que há pouco menos de trinta anos a utilização de alucinógenos como expansores da consciência era defendida com unhas e dentes por uma fração razoável da elite científica do planeta.

A psicodelia — “manifestação do espírito”, em grego — tem raízes milenares. Praticamente todas as civilizações de que se tem notícia usaram um ou outro tipo de alucinógeno, quase sempre com fins religiosos. Mas a maneira como o movimento psicodélico floresceu no início dos anos 60, principalmente na costa oeste dos EUA, tem uma base distinta no New Deal, politica de realinhamento econômico promovida nos anos 30 e 40 pelo presidente Franklin Roosevelt.

A América pós-New Deal foi pautada por quatro explosivos elementos: o maior desenvolvimento econômico da história, a maior distribuição de renda, a maior expansão da rede de comunicações, a maior explosão demográfica. O termo baby boom é perfeito: entre 1946 e 1964, 86 milhões de crianças foram colocadas numa sociedade superafluente, em meio à uma explosão informacional inédita. A televisão colocou o mundo ao alcance de todos e forneceu a essa geração uma fortíssima ilusão de livre arbítrio.

O material humano para a aventura psicodélica já estava, portanto, em ponto de bala. O material químico também: já em 1938, o bioquímico suíço Albett Hoffman havia sintetizado o vigésimo-quinto derivado do ácido lisérgico, mais conhecido como LSD.25. Em 1958, sintetizou a psilocibina, princípio ativo dos “cogumelos mágicos” mexicanos. E a maconha, claro, já era consumiria nos circuitos jazzísticos.

A Califómia dos anos 50 foi um foco privilegiado para o nascimento da chamada “contracultura”, reunindo artistas expatriados como Aldous Huxley e a produção local dos hipsters e beatniks, amantes do jazz e da poesia libertária de Walt Whitman e Thoreau. Na linha de frente, o grupo de escritores beat, comandado por Jack Kerouac, Alien Ginsberg e a farmácia ambulante, cobaia de si mesmo na experimentação de toda e qualquer droga, William S. Burroughs. Entre eles, o interesse pelo hinduísmo e pelo zen-budismo (disseminados pelos escritores Alan Watts e D.T. Suzuki) lançava as sementes para o movimento hippie da década seguinte.

A primeira bíblia do psicodelismo veio assinada por Aldous Huxley, descrevendo sua experiência com a mescalina, princípio ativo do peiote (cacto mexicano). Editado em 54, As Portas Da Percepção adquiria uma credibilidade com que os beatniks não podiam sonhar; seu autor era um romancista e ensaísta inglês consagrado. Em seu leito de morte, em 63, Huxley pediu uma dose de LSD.25, não recusada. (O ácido lisérgico, comercializado em cubinhos de açúcar e depois papel mata-borrão, só foi proibido em outubro de 66.)

A coisa toda poderia ter continuado como uma brincadeira de elite, como o ópio entre os poetas românticos ingleses e o haxixe entre os românticos e simbolistas franceses (Théophile Gautier, Baudelaire e Nerval chegaram a fundar um Clube do Haxixe na Paris do século dezenove). As comunicações de massa não deixaram, ajudadas pelo doutor em psicologia clinica Timothy Leaiy, professor da prestigiosa universidade de Harvard, que desde 60 pesquisava a psilocibina e o LSD, até ser expulso em 63. Perseguido pelo establishment e sem dinheiro para continuar suas pesquisas, Leary viu a saída apontada numa conversa com o mais influente teórico das comunicações dos 60, Marshall McLuhan. O conselho: "Se você realmente acredita no LSD, faça proselitismo, palestras, happenings, shows, coisas criativas. Não perca urna chancede divulgar suas idéias na mídia. Se você ficar sozinho, está ferrado”. Leary seguiu-o à risca — com enorme sucesso. O livro reunindo suas palestras e entrevistas — The Polítics of Ecstasy — tornou-se a segunda bíblia psicodélica.



Quando veio a década de 60, São Francisco já cultivava a boêmia beatnik como uma tradição e, aos poucos, seu cenário musical começou a refletir isso. O culto ao jazz foi trocado por uma onda de folk de protesto, que por sua vez fez a transição para o rock psicodélico da primeira geração: Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Moby Grape e o maior de todos, o Grateful Dead — com sua legião de seguidores, batizados “deadheads”. Comandado por Jerry Garcia, o grupo participou integralmente dos acid tests (festas de som e imagem, a primeira versão das atuais raves inglesas) organizados pelo escritor Ken Kesey e sua turma, os Merry Pranksters. Quem lê inglês, não deve perder TheEletric kool-Aid Acid Test, de Tom Wolfe, que acompanhou todo o trajeto dos Merry Pranksters e, por tabela, escreveu a história definitiva do movimento hippy.

O florescimento do psicodelismo — que teve seu auge entre 65 e 66, e iniciou sua massificação mundial em 67, o chamado “Verão do Amor” logo fez uma ponte com a Europa, através de Londres. Carnaby Street, com suas butiques hippy, passou a ser o equivalente à esquina da rua Haight com a rua Ashbury, o centro do turbilhão em São Francisco. O intercâmbio era feito basicamente através de rock stars em turnê. Segundo a lenda, os Beatles fumaram maconha pela primeira vez com Bob Dylan; e Tom Wolfe descreve, no livro citado, o primeiro contato do quarteto de Liverpool com o underground californiano.

Em pouco tempo, Londres tinha no Pink Floyd o seu Grateful Dead. Com um light show lisérgico e encabeçado pelo freak Syd Barrett, o grupo era a principal atração do underground e não perdeu o séquito de fãs quando, contratado pela Columbia, passou a freqüentar as paradas de sucesso.



A descoberta de que o flower power já contava com uma multidão de adeptos se deu com a organização de um festival de grupos psicodéiicos organizado pelos Merry Pranksters e o Grateful Dead: grátis, ao ar livre, o First Human Be-ln reuniu milhares no Golden Gate Park, em janeiro de 67 em São Francisco. A indústria fonográfica — sediada ao lado, em Los Angeles — percebeu o potencial e, em junho do mesmo ano, promoveu o Monterey Pop Festival. A movimentação era divulgada via satélite para o mundo todo, mas a contracultura criava seus próprios sistemas de divulgação: rádios pirata, fanzines, gibis underground, jornais como o Detroit Free Press, revistas como Rolling Stone, International Times e — na Inglaterra, IT e Oz. A reação veia a cavalo, com a maioria conservadora dos EUA elegendo Nixon em 68 e as grandes empresas aproveitando a onda — como a Wamer Bros. ao transformar o festival de Woodstock num megaevento de marketing. Morreram Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones, Jim Morrison, e John Lennon arriscou um epitáfio: “O sonho acabou”.

Acabou nada. A contracultura e a psicodelia — mesmo banalizadas em musicais como Hair — foram um salto evolutivo no comportamento da raça humana, com um saldo político inegável. Na música pop nem se fala. Muito antes que o De La Soul sampleasse os ultrapsicodélicos Turtles, e o cenário acid house detonasse o verão londrino de 86 (com a adoção de um novo químico, o ecstasy), sua influência já podia ser sentida, de toda uma safra pós-punk inglesa ao funk de Prince. Boa parte da cultura pop vive hoje da criação de novas embalagens para os mitos dos 60 — para enorme alegria dos executivos das gravadoras e do establishment em geral, que preferem lidar com nostalgia inofensiva do que com novas formas de subversão.

Quem quiser saber mais sobre a movimentação dos 60 tem pelo menos dois bons livros à disposição no mercado brasileiro. Flashbacks, autobiografia de Leary, traça o mapa do sonho psicodélico. Las Vegas Na Cabeça, do jornalista gonzo e integrante da equipe original da Rolling Stone, Hunter S. Thompson, mostra com humor negríssimo o outro lado da moeda, a derrocada dos mais altos ideais da contracultura.



Fonte: Revista ShowBizz, ano 1990, sem número, pags 34-35

Electro de Cara Nova


por
Luiz Pareto



Electro, esse velho estilo que entrou e saiu de moda mais de uma vez e que recentemente voltou a ser tocado com mais frequência nas pistas do mundo todo. Ele nunca sumiu de vez realmente, pois alguma forma de electro-funk continuou sendo tocada em cidades como Detroit, Miami e até Rio de Janeiro. Mas de onde surgiu esse gênero?


Pode ser meio difícil você tentar dizer com exatidão qual foi o primeiro disco de electro ou quem foi seu criador, mas uma coisa é certa, o gênero deve muito a bandas como Kraftwerk (especialmente os trabalhos da década de 80) e Cybotron, e também a um produtor visionário do bairro Queens em N.Y. chamado Marley Marl, que acidentalmente inventou o sampler de drum machine e começou a fazer produções mais próximas do hip hop seguido por bandas como Mantronix, Soulsonic Force e Afrika Bambaata com sua popular "Planet Rock". A cultura do hip hop com suas danças cheias de movimentos de mímica ('breaking' ou 'breakdance') e estilo de vestir foram de alguma forma incorporadas à cena de electro. Pode-se dizer que o electro fez a ponte perfeita entre o hip hop e o techno que surgiu em 87 (Detroit).


Porém mais tarde, com a popularização da base funk, o electro deixou de ser visto como gênero eletrônico de qualidade. Passou um tempo até que em meados dos anos 90 rolou um novo hype em torno do estilo. A banda AUX 88 (na época já com 10 anos de estrada) foi apontada pelo NME como responsável pelo revival do gênero, mas os integrantes diziam que não era isso que tinham em mente e que a coisa era mais para acordar as pistas que estavam dominadas por um tipo de techno frio e sem alma. Pregavam a volta do elemento negro na música techno presente nos trabalhos dos criadores do estilo e também nas faixas do Underground Resistence (que em 98 lançou um álbum repleto de electro) de Mad Mike. Bandas como Dopplereffekt, Flexitone e Detrechno (assim como os selos Direct Beat e o ingles Clear) também foram importantes nessa época com suas produções de electro/techno-bass.



Nos últimos anos, a inglaterra também vem sendo berço de produtores desse estilo como Carl Finlow de Leeds (que também produz tech-house pelo selo 20:20 vision) e seu criativo projeto 'Voice Stealer'. O projeto de dub house/deep house 'Swayzak' também anda soltando faixas de electro. Enfim, o gênero continua por ai e está até bem forte em cidades como Amsterdam e Detroit. Mas e o Brasil nisso tudo? Como é que fica?

Bom, o electro rolou por aqui também de uma forma ou de outra. Os DJs tocaram bastante "Planet Rock" e faixas do Mantronix na década de 80 e em 96 quando o gênero voltou, uma festa em Sampa garantia longas sessões de electro misturadas a outros tipos de breakbeat. Era a finada festa 'Breakin'' que Mau Mau e eu faziamos semanalmente (96/97) e que continuei fazendo sozinho até meados de 99 sempre com DJs convidados como Alex U.M., Danny Junkie e George Actv. No Rio de Janeiro, fora o formato pop do funk (super influenciado pelo miami bass) que rola na periferia, tem também o DJ Mauricio Lopes, que desde os tempos da festa 'Oops', mistura bastante electro com techno para o delírio de seus seguidores. Ricardinho N.S. também vem fazendo o mesmo. Pelo visto, o estilo não vai sumir tão cedo e deve mesmo é continuar se reformulando e evoluindo.





Fonte

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Punks Muçulmanos




Por Brian Whitaker (19 de março, 2007)
Traduzido por Sylvia Bojunga


Nesta semana foi publicado no Reino Unido um livro sobre muçulmanos, o qual, posso afirmar com segurança, é absolutamente singular. É uma novela intitulada “The Taqwacores”.

Embora eu tema que nossa elite literária possa desprezá-la e que os muçulmanos mais conservadores sintam-se ofendidos por ela, a obra já conquistou uma seita nos Estados Unidos e algum reconhecimento por aqui no The Sun. Nas palavras do editor: "The Taqwacores está para a literatura assim como o Sex Pistols foi para a música."

Aguardo a chegada do livro com muito interesse porque, por acaso, eu ajudei a trazê-lo para a Inglaterra... mas talvez eu deva voltar ao início.

O autor, Michael Muhammad Knight, pode ser descrito como o Hunter S. Thompson da literatura islâmica. Americano de descendência católica irlandesa, converteu-se ao Islã aos 16 anos lendo a biografia de Malcolm X. Aos 17, partiu para o Paquistão, e passou seis horas por dia estudando religião, entrou em contato com refugiados afegãos e quase se juntou aos combatentes chechenos. Porém, mudou de idéia, retornou aos EUA, desiludiu-se e transformou-se em um punk muçulmano.

Caso você esteja imaginando o que é um punk muçulmano, ou como se tornar um deles,
eu também não estou inteiramente seguro, mas, no caso de Knight, significa ser "aquele cara em uma festa que fica num canto e fala merda sobre todo mundo."

Isso inclui fazer o diabo com o establishment muçulmano. Ele reivindica para si o fato de ter feito a má fama de Yusuf Islam (ex-Cat Stevens) e outras celebridades muçulmanas, e escreveu uma série de reportagens sobre as conferências da Sociedade Islâmica da América do Norte (2003, 2004 e 2005) em estilo que faz lembrar a revista Rolling Stone.

Em uma entrevista em 2004, ele destacou as semelhanças entre a comunidade muçulmana e (você nunca adivinharia) George W Bush: "Ele é anti-aborto, anti-gay e defende tudo o que faça do Islã típico algo tão duro e vil como o Cristianismo típico."

Dizem que Knight passou a visitar sua mesquita local somente à noite, quando não havia mais ninguém por perto, e eventualmente conseguia uma chave que permitia que dormisse lá. Foi durante as noites na mesquita que ele começou a escrever histórias e seu primeiro livro “Where Mullahs Fear to Tread” (Onde os mulás temem pisar) – concluído aos 19 anos – , que teve a honra de ser banido por autoridades religiosas em Singapura.

Seu segundo livro, “The Taqwacores”, é a história de alguns punks muçulmanos em Buffalo, Nova Iorque, dividindo, juntos, uma mesma casa. A sala de estar tem múltiplas funções, como local para orações e espaço livre para festas – para os primeiros propósitos, eles arrancaram alguns tijolos da parede para servir como um oratório voltado para Meca. Sua vida em comum mistura sexo, drogas e orações em quantidades aproximadamente iguais, somadas à devoção quase-religiosa pelas bandas punk islâmicas taqwacore – o tipo de músicos que perdem suas convicções de rua no momento em que começam a se tornar populares.

Este é o ponto no qual a ficção se torna realidade, porque na época em que o livro foi escrito a música taqwacore não existia realmente. Agora existe, como resultado do livro. A palavra taqwacore é uma combinação de hardcore (som de rock pesado) e "taqwa" – um termo árabe geralmente traduzido por "devoção".

Hoje, a banda taqwacore mais conhecida é “The Kominas” (uma palavra Punjabi que significa bastardos), e algumas de suas letras estão aqui. Uma de suas canções mais polêmicas, “Rumi Was a Homo” (Rumi era homossexual), ataca Siraj Wahhaj, um proeminente imã (líder muçulmano) do Brooklyn acusado de homofobia.

Embora “The Taqwacores” seja agora estudado em cursos em diversas universidades americanas, levou algum tempo para que o livro fosse formalmente publicado. No início, Knight fez fotocópias dele na loja Kinko's local e as distribuiu pessoalmente nos estacionamentos das mesquitas.

Por fim, o livro foi vendido pelo correio por meio do Alternative Tentacles, um selo de discos da Califórnia, que vende sob o provocativo slogan: "Mantendo a pátria insegura desde 1979".

Eu descobri o livro um dia enquanto navegava na internet, encontrei um fragmento, e pedi uma cópia. Quando chegou... bem, eu nunca li nada parecido, antes ou desde então.


No início do ano passado, eu estava conversando em Londres com uma amiga que trabalha com edições e contei a ela sobre “The Taqwacores”.

"Mmm ... parece interessante," ela disse, e prometeu ler. A próxima coisa que eu ouvi foi que alguém de sua equipe tinha ido para os Estados Unidos, procurado Knight e assinado com ele os direitos de publicação para a Inglaterra.

Então agora está aqui. Estou um pouco apreensivo mas espero que as organizações muçulmanas inglesas sejam sensíveis e pensem duas vezes antes de protestar. Elas reclamam - corretamente – por serem estereotipadas pela mídia, e “The Taqwacores” é um poderoso antídoto para isso (o que é uma boa razão para que seja lido e circule o mais amplamente possível).

A leitura é fácil e engraçada mas, em outro nível e sem se alongar sobre o ponto, o livro é também profundamente desafiador. Ele aborda – de uma forma chocante mas essencialmente positiva – questões de identidade que são enfrentadas, em alguma medida, por todos os jovens muçulmanos que crescem no Ocidente.

É claro, haverá gente que insistirá que os personagens do livro não são “verdadeiros” muçulmanos. Estou adivinhando, mas acho que este é o ponto principal que Knight desejava levantar. Como você define um “verdadeiro” muçulmano? Em que bases? E alguém tem o direito de julgar?".


Fonte

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Os "Piratas" da Resistência




Os "Piratas" da Resistência
por JM e SV

Embora ainda considerados pela história oficial criminosos comuns, os Piratas Edelweiss escreveram um capítulo na história da resistência ao nazismo. Jovens e avessos ao regime, eles sonhavam, entre outros, com o longínquo Rio de Janeiro.

A origem do nome não é certa. O que se sabe é que o movimento juvenil conhecido como Os Piratas Edelweiss (Edelweiss Piraten) não teve final feliz. Em novembro de 1944, a Gestapo enforcou 13 adolescentes nas dependências de uma residência em Colônia. Os adeptos daquilo que simbolizava uma alternativa à Juventude de Hitler (Hitler Jugend), sabotadores do regime nazista, arriscaram não apenas serem detidos e torturados, mas suas próprias vidas.

Hoje, 60 anos depois, a história oficial ainda registra os jovens Piratas Edelweiss como meros ladrões e criminosos. Seus atos de resistência, embora ignorados pelas autoridades na Alemanha, já obtiveram o reconhecimento até mesmo do Estado de Israel. Em 1984, o Memorial Yad Vashem prestou uma homenagem a Jean Jülich, um dos sobreviventes do grupo.


Recuperando Registros da Memória

Enquanto as autoridades em Colônia debatem sobre a possibilidade de reescrever a história da resistência feita pelos Piratas Edelweiss, Jülich já publicou suas memórias há cerca de um ano, sobre as quais se produziu um documentário –...Piratas Edelweiss, eles são fiéis. Além disso, no CD Foi em Xangai bandas de Colônia interpretam canções dos Piratas. Um DVD e um livro sobre o assunto completam o projeto. Todas as obras são fruto de um trabalho árduo, uma vez que todo o material foi recolhido através da lembrança dos sobreviventes.

Estima-se que havia, nos anos que antecederam o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de três mil Piratas Edelweiss vivendo em Colônia e mais centenas de outros nas cidades vizinhas. Estes jovens não estavam aliados a nenhuma facção política ou organização religiosa, nem tampouco o movimento possuía uma estrutura organizada.

O que tinham em comum era não se identificarem com a ideologia propagada pela Juventude de Hitler, após a ascensão dos nazistas nos anos 30. Eram, em princípio, um grupo de adolescentes rebeldes como outro qualquer. A diferença é que viviam sob um sistema extremamente autoritário, sendo que muitos deles acabaram pagando o preço disso com suas próprias vidas.


Subcultura Própria

Nicola Wenge, historiadora do Centro de Documentação sobre o Nazismo em Colônia (cuja sede fica em um dos antigos quartéis da Gestapo), "os Piratas Edelweiss criaram sua própria subcultura nas regiões do Reno e do Ruhr, ao usar determinado estilo de roupas, cantar suas baladas românticas e, mais tarde, canções antinazistas".

Ao contrário do que determinavam as normas do regime, o movimento permitia a interação entre garotos e garotas, que viajavam juntos pela região, levando com freqüência um violão e uma gaita. "Por esta razão, eram perseguidos pela Juventude de Hitler, pela polícia e pela Gestapo. E até mesmo pela Justiça, que os tratava como criminosos e delinqüentes sexuais", conta Wenge.






Sabotagem e Riscos

Quando os aliados bombardearam Colônia e a ordem pública foi se desestabilizando aos poucos, os Piratas Edelweiss começaram a sabotar fábricas de munição e a colocar, por exemplo, água com açúcar nos tanques de gasolina de carros pertencentes aos nazistas. Além disso, distribuíam folhetos de propaganda contra o regime. Em 1944, porém, vários adeptos do movimento foram presos. Jülich, que na época tinha apenas 15 anos, passou quatro meses preso em uma cela em Colônia, tendo sido interrogado e torturado pela Gestapo. Outros 13 companheiros dele foram enforcados, o mais jovem deles tinha apenas 16 anos.


Culpa Coletiva e Exceções

Para a historiadora Wenge, os Piratas Edelweiss deveriam ser reconhecidos oficialmente como vítimas do nazismo, embora ela alerte para uma certa cautela no uso do termo resistência neste contexto. "Eu descreveria o movimento como uma conduta de oposição", opina Wenge, lembrando porém que distribuir panfletos, disseminar slogans contra o regime nos muros da cidade ou remover bandeiras nazistas eram ações que exigiam uma boa dose de coragem.

O reconhecimento do que foi feito pelos Piratas Edelweiss toca mais uma vez em um tema sensível na Alemanha: a culpa coletiva pelos horrores cometidos durante o holocausto da Segunda Guerra. Enquanto muitos defendem a idéia de que é preciso reaver a memória sobre o que foi um movimento de resistência ao nazismo, outros aconselham cautela em relação à tendência de supervalorizar comportamentos que foram uma exceção, se comparados ao da maioria da população na época.


Rumo ao "Rio de Schaniro"?

O desejo de abandonar a Alemanha nazista foi certamente um dos elementos que acompanharam estes adolescentes durante o período. No porão da casa onde estiveram presos os Piratas Edelweiss, pode-se ler a inscrição Rio de Schaniro encravada na parede. "Supõe-se que se trata de uma referência a Quando as Sirenes Ressoam, uma das várias canções que falam de lugares longínquos", diz Jan Krauthäuser, um dos responsáveis pelo projeto de produção do CD Foi em Xangai.

"Esta postura não é atípica na história da cultura alemã e durante a repressão, através da ditadura nazista, foi ainda mais alimentada. Sabemos de várias vítimas do nazismo, que durante ou depois da guerra procuraram outros lugares para viver. Mas se, concretamente neste caso, há ex-Piratas Edelweiss que chegaram a ir para o Rio ou para outros lugares do Brasil não sabemos. Para nós, seria muito interessante entrar em contato com possíveis Piratas Edelweiss brasileiros, se é que eles existem", completa Krauthäuser.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

História do Northern Soul




Você mora numa cidade perdida em algum lugar do norte da Inglaterra. Centenas de fábricas ocupam o horizonte com chaminés, poluindo o céu com um vômito de fumaça cinzenta e escura. Durante a semana, em uma dessas fábricas, você trabalha numa escravidão das nove às cinco: manejando na linha de produção, varrendo o curral, removendo merda. O trabalho é ingrato, mas ele te paga o suficiente para você viver. Mais importante, ele te paga o suficiente para você sair e dançar. Porque embora a fábrica talvez seja seu trabalho, isso certamente não é a sua vida. Todos os finais de semana, você viaja para outras cidades perdidas do norte, se veste legal, se entope de drogas e dança pra valer músicas obscuras de soul music, sonhando o tempo todo com cantores de impossíveis lugares glamourosos como Detroit, Chicago e Philadelphia. Sua vestimenta é fora de moda, mas bastante prática. Das suas polos brancas da Fred Perry descendo para seus sapatos de sola de couro Ravel, tudo que você veste é para conforto e agilidade. As drogas que você toma também são práticas: um exército de anfetaminas, engolidas para o único propósito de deixar você na pista de dança até o amanhecer. Você dança discos de artistas desconhecidos, de gravadoras que ninguém conhece, cantando canções que pouquíssimas pessoas escutaram até hoje. Porém são esses discos que são seus únicos tesouros, os únicos que você gasta dezenas de pounds - as vezes até milhares - do seu magro salário para adquiri-los. Seus amigos, ainda no rock progressivo ou então descobrindo os moldes pop-glitter do glam rock e Bowie, riem de você. Eles não entendem o mundo secreto que você habita. Eles não entendem as roupas, a música e os rituais da sua existência underground. Na sua cabeça, você faz parte de um grupo fechado, você pertence a um dos mais puros e descontaminados movimentos musicais de todos os tempos. Você é um “Northern Soul boy”.

A Primeira Cultura Rave

Exatos quinze anos antes da cultura rave chamar atenção para sua existência, Northern Soul apareceu com quase um plano total. Aqui havia uma cena onde garotos da classe trabalhadora saiam juntos em grande número, vindos de vários lugares e distâncias, para lugares obscuros, para tomar drogas e dançar músicas que ninguém mais se importava. Foi uma cena em que união era tudo. Foi bastante ignorada ou tratada sem respeito pelos sofisticados jornalistas musicais ou pelos clubs de Londres, permitindo que ela se desenvolvesse vastamente, sem perturbação ou observação. E, como no movimento rave (em que a “essência do movimento” divergiu do lado mais mainstream da cena na tentativa de preservar o espírito original da música), Northern Soul acabou num dramático final, assim como os DJs progresivos encontraram sua política/mente musical mais aberta, com forte oposição dos tradicionalistas, a “essência do movimento”. Northern Soul tem sido amplamente descrito como um não-influente movimento musical, mas de fato ele foi um passo muito importante para a criação da atual cultura club e também para a evolução dos DJs. Muitos dos primeiros discos que atingiram as paradas na Inglaterra decorrentes dos clubs vieram dos clubs de Northern Soul. E foram os DJs de Northern Soul que introduziram muitas das inovadoras artes ‘estilosas’ de discotecar e certamente não foi coincidência que o primeiro DJ com aptidão suficiente para tocar House veio de um passado Northern Soul. De fato, até a Disco-Music emergir em New York, graças ao Northern Soul e clubs como Catacombs e Twisted Wheel, a cultura britânica de DJ estava muito mais avançada do que na América. O que o Northern Soul trouxe ao DJ foi obsessão. Pois isso cravou uma incrível recompensa na cultura da raridade musical, fez dele um obsessivo e compulsivo colecionador de vinil. Isso ensinou à ele o valor de discotecar discos que ninguém tinha, de gastar meses, anos e milhares de pounds na procura daquela canção inédita que poderia trazer o público, a audiência sob seu domínio. Mandou o DJ atravessar oceanos para caçar em empoeirados e miúdos armazéns de discos por clássicos desconhecidos, que sua concorrência não tinha e não poderia tocar. Northern Soul mostrou ao DJ como transformar o vinil em pó de ouro.

Um Gênero Construído do Fracasso

Falando de um modo geral, Northern Soul foi a música feita por milhares de cantores e bandas que copiavam o som de Detroit da Motown nos anos 60. A maioria deles foi um tremendo fiasco em sua época e cidade - foi a música de artistas sem sucesso, de miúdas gravadoras e pequenas cidades, todas perdidas na vasta expansão da industria do entretenimento nos EUA - mas no norte a Inglaterra do final dos anos 60 até o auge no meio dos anos 70, isso era apreciado e exaltado. Northern Soul foi rotulado assim por causa do lugar onde ela era tocada e curtida, e não onde foi criada. A palavra “northern” dentro do Northern Soul refere não à Detroit, mas Wigam. Não à Chicago, mas Manchester, Blackpool e Cleethorpes. Fundar um gênero em volta do amor à uma música que o resto do mundo tinha esquecido era mais ou menos como se encontrar com uma porção de amigos e falar Latim, mas nos clubs baseados no parque industrial do norte britânico, era exatamente isso que acontecia. Isso poderia ter sido por que seus hábitos de tomar drogas demandavam um certo estilo de música, por causa desse rápido e libertador estilo - originado de Detroit, a cidade “motor” - de certo modo gerou essa existência mecanizada. Também poderia ter sido simplesmente por que eles eram resistentes em ver seu estilo de música preferido morrer do nada e ver que o resto do mundo estava cansado disso. Seja lá qual for a razão, esses jovens da classe trabalhadora (quase todos brancos), do norte inglês começaram a celebrar uma série de discos que foram completos fracassos dentro do seu contexto original. O culto por algumas músicas tornou a cena de clubs underground bastante próspera. Por muitos anos, por ser tão independente, a cena também era muito pura. Northern Soul era inteiramente uma cena de clubs, por isso não precisava ser aprovada pelas paradas, não precisava dos hits universais. E porque era um movimento retrô, não tinha a necessidade de ter novas bandas, jovens novas estrelas. Na verdade, pelo fato dos discos terem sidos feitos e lançados anos atrás, não precisava absolutamente de nada da indústria da música. O que era preciso, entretanto, era um exército de dedicados e inteligentes colecionadores determinados a descobrir discos suficientes para dar continuidade à cena. Sem novos discos sendo descobertos e tocados, isso poderia rapidamente resultar em nada mais do que uma sociedade de apreciadores das mesmas velharias de sempre. Com sorte, haviam muitos incentivos para viagens de descobertas de novos discos. Northern Soul tinha um apelo particular para colecionadores, já que era uma cena construída quase que inteiramente por raridades. Um disco não poderia ser somente bom, tinha que ser raro também. Se uma faixa soasse como se ela tivesse sido gravada em algum lugar de Detroit, era muito melhor (embora algumas músicas fossem realmente gravadas em um lugar de Detroit). Acima de tudo, havia um fato atrativo que uma coleção de discos de Northern Soul era - na teoria, pelo menos - ‘completável’: afinal já que apenas discos feitos com um certo estilo em uma certa época em um certo lugar eram aceitos, havia um estritamente finito número de bons discos a serem descobertos e possuídos. Trabalhe obsessivamente e você poderia um dia ter um set absolutamente completo de uma discotecagem Northern Soul. Ainda, dado esse fetiche por vinil, o prestigio que existia ao encontrar novos discos era enorme. Nesse mundo fechado, o homem que descobriu uma música como “There`s a Ghost In My House” de R. Dean Taylor ou “Tainted Love” da Gloria Jones poderia se banhar de admiração dos outros e ser bastante adorado pelo público. Um DJ com uma música exclusiva poderia ver seu público aumentar rapidamente e seu status se elevar. O valor dos discos subia por conseqüência. “Quando você encontra um disco desconhecido, é como ver um bebê nascer”, reflete Ian Dewhirst, um importante DJ de Northern Soul. “Você ouve ela em casa e se maravilha que essa faixa funcionará. E logo você vê sua visão confirmada. Imediatamente a música se torna “quente”. Ver um disco desconhecido ir do valor zero a ser bastante valorizado, era quase que uma carta na manga”. Nos clubs, os jovens dançavam e se guiavam dentro de uma grande excitação e êxtase com os últimos tesouros da América. Pôsteres para o público indicavam não apenas o DJ que estava lá, mas também os discos raros que ele poderia tocar. Dado essa atração doentia sem precedentes por discos, a caça pelos sons mais raros foi comicamente uma longa tortura. Apesar da recompensa financeira ser desproporcional, não havia carência de corajosos exploradores com uma passagem na mão para o ‘novo mundo’, confiantes de que eles poderiam retornar, não com uma caixa de empoeirados e esquecidos singles 7” polegadas, mas com uma caixa cheia de jóias e pérolas.`

The Twisted Wheel e as Raízes do Northern Soul

Quando Eddie Holland, Lamont Dozier e Brian Holland ouviram o novo hit dos The Four Tops em 1965 pela Motown chamado “I Can`t Help Myself” (o primeiro havia sido “Ask The Lonely”, do ano anterior), perceberam que ele poderia ser bastante influente para uma estranha turma de DJs obcecados por soul-music no norte da Inglaterra. Da abertura com salva de bateria, baixo e piano até os grandiosos arranjos de cordas, e ressonantes e rítmicos vibrafones que serviam de base para a voz de Levi Stubbs, isso rendeu um padrão, uma forma para o Northern Soul. “I Can`t Help Myself” tinha exatamente o tipo de sonoridade que eles queriam no Twisted Wheel. Neste club simples com clima de porão, perto do centro de Manchester, por volta de 600 garotos se espremiam todos os sábados à noite e dançavam os sons mais raros do país. Dançavam até 7h30 da manhã de domingo. O Twisted Wheel abriu em novembro de 1963, localizada em 26 Brasenose Street, como um lugar que varava a madrugada, tocando um mix de blues, early-soul, bluebeat e jazz (no dia 18 de setembro de 1965 ele se mudou para uma segunda localidade, em 6 Whitworth Street). A novidade das festas que varavam a madrugada rolou por um tempo e foi sem dúvida o primeiro a alimentar esses garotos. Mas em dois anos, como o costume nos clubes mudou significantemente, o Wheel poderia se tornar um raro oásis para tal música. Em Londres e no sul, o rock underground começou a dominar. Mas nos clubs do norte, essa tendência não virou moda, não pegou. Talvez por causa que o norte, predominado pela firme classe trabalhadora, se prendeu numa tendência de sessões de soul que se estendia madrugada adentro. Talvez isso rolava simplesmente porque a cultura pop se espalhava mais devagar do que agora. As comunicações entre Londres e o resto do país eram certamente mais limitadas e as únicas revistas relevantes de música se especializaram em rock e pop. Então os “wheelites” (freqüentadores do Twisted Wheel), cheios de felicidades, não estavam cientes de que estavam se tornando um anacronismo, continuando a dançar os contagiantes discos de soul que eles tanto amavam. Havia uma boa razão para o clima rápida das músicas tocadas no Wheel. Sua clientela era presa à velocidade. Eles consumiam pastilhas inteiras de comprimidos de tarja preta, como os prellies e dexys (drinamyl, preludine e dexedrine), tanto comprados dos traficantes dentro do club ou roubados das farmácias. Não era raro freqüentadores que estavam indo para o club pararem no meio do caminho para entrar numa farmácia e roubar essas drogas, e assim conseguir seus sustento para mais uma noitada. “Esses caras ‘bad boys’ tinham que patrulhar de vários jeitos em Wigan,” lembra Ian Dewhirst, “e olhar para as lojas farmacêuticas que não tinham uma boa segurança. E não importava por onde eles entravam, você poderia quase apostar sua vida que alguma farmácia seria assaltada.” Abastecidos por essas anfetaminas, eles dançavam de várias maneiras um específico tipo de música. O tempo rítmico era tudo. Para rolar isso no Wheel, uma música tinha que ser energética o suficiente para deixar agitado os “speed-freak-dancers” - impulsionada por uma urgente e pesada batida Motown, com trompetes e instrumentos de cordas e com um melodramático vocal negro. Essa música não era funkeada, mas era rápida. As letras não falavam de sexo, mas sim sobre amor; melodias sentimentais que provia a trilha sonora da libertação da mente dos trabalhos monótonos das fábricas. “O Twisted Wheel era um lugar incomum, pequeno, com cinco ambientes e pisos de pedra”, lembra Dave Evison, que mais tarde discotecou no Casino, em Wigan. “Bicicletas estacionadas em todos os lugares que você olhava. Levei quatro semanas pra descobrir onde o DJ ficava: ele ficava escondido atrás de uma pilastra velha de metal! Como parte da dança, os garotos costumavam correr e dar pulos, e ver quão alto eles conseguiam pular. Foi uma coisa jovem, ansiosa. Havia um respeito pelos disc jockeys; havia um respeito pelo que ele tocava. Foi uma boa cena”. O que era extraordinário era a mobilidade dos ‘clubbers’ que começaram a ir lá. Aficionados por soul viajavam vários quilômetros para chegar no Twisted Wheel. Se você achava que ninguém tinha sido capaz de deixar sua cidade e ir dançar em outra cidade até a época das raves, pense novamente: esses garotos estavam fazendo isso não em 1989, mas em 1969. “Uma das partes da diversão era de fato viajar até lá”, relembra Carl Woodroffe, que como Farmer Carl Dene iria se tornar um dos DJs pioneiros da cena. “E as rodovias não existiam como elas são agora. A M6, por exemplo, não iniciava até que você fosse no norte de Cannock para ir para Manchester”. Cobertos por roupas normais, ‘wheelites’ como Dene faziam uma jornada até Manchester antes de se ‘transformar’ com ternos bem passados, camisas justas e gravatinhas estreitas. Este estilo, que predominava no Wheel, veio para esses clubbers oriundo dos mods do começo dos anos 60. E, sem dizer respeito ao calor do club, esse era o jeito que você tinha que ficar até voltar pra casa. “Você ficava encharcado de suor, mas tinha que ficar com o terno até sair do club” ri Dene. “Mas com o terno sempre era uma boa forma de você chegar nas garotas. Era ótimo aquilo”. O primeiro Twisted Wheel na Brasenose Street foi onde originou a sonoridade do Northern Soul. O DJ residente Roger Eagle tinha um gosto eclético pela black-music, tocando o blues do Little Walter, o jazz moderno e pesado do Art Blakey, mixando isso com Solomon Burke e o som da Motown do começo. Embora importações fossem escassas no começo dos anos 60 na Inglaterra, ele foi fazendo dinheiro importando discos em xadrez da América, e tocando esses discos desde o começo do Wheel. Entretanto, Eagle viu os ‘speed-dancers’ ditar cada vez mais o clima de seu set. Eventualmente ele ficava frustrado com a cena de anfetaminas que rolava no Wheel, forçando seu eclético playlist em direção a um único e forte clima e tempo rítmico. “Eu comecei o northern soul, mas de fato achei a música muito limitada”, ele conta, “porque nos primeiros dias eu tocava uma música da Charlie Mingus, depois mandava um hit, seguido por uma canção do Booker T., depois uma do Muddy Waters ou do Bo Diddley. Gradualmente, havia essa adoração por uma espécie de som. Quando comecei a discotecar, podia tocar o que queria. Mas depois de três ano, tinha que me limitar a um único tempo rítmico, o que é o que o northern soul é”. Claramente, na época que o Wheel se mudou para a Whitworth Street, essa música tinha se encolhido consideravelmente. Os últimos DJs residentes - Phil Saxe, Les Cokell, Rob Bellars, Brian Phillips e Paul Davies - se concentraram em ritmos mais agitados e rápidos. Naquele tempo, o Wheel era o lugar para se tocar. “Oh, era um lance meio cult no Wheel se você discotecasse lá”, conta Bellars, rindo. “Haviam pessoas implorando para fazer isso!” Embora havia uma considerável variação de estilos e rítmos, os DJs tocavam um soul muito restrito e limitado. “Nós estávamos tocando algo a mais do que era chamado de rhythm and blues, mas depois tocávamos novos lançamentos como Incredibles, Sandy Sheldon e todos os bons discos do EUA. Discotecávamos coisas importadas como “Agent Double-O Soul”, do Edwin Starr. Tocávamos coisas do Revilot e Ric-Tic. Tudo na OKeh veio do Wheel. Eles não eram necessariamente freneticamente rápidos, mas foram os precursores do que ficou conhecido como Northern Soul”. Bellars está preparado para desmentir os falsos boatos que foram espalhados sobre a música do club. “As pessoas diziam que o Wheel só tocava lançamentos britânicos”, ele diz, “mas isso era besteira”. Na verdade, ele e seus amigos caçavam por discos em todos os lugares: da influente loja Corner em Londres, de alguns lugares de Midlands e de lojas americanas, como a Randy, no Tennessee.


Quanto Mais Obscuro Melhor

A razão pela qual os DJs de northern soul eram forçados a ficar ligados nas raridades era simples: no começo dos anos 70, os EUA tinham parado de produzir os discos adequados. A música negra americana mudou do veloz soul-pop da Motown, e seus produtores - ao lado da imensa influencia de James Brown e Sly & The Family Stone - começaram a experimentar outros tipos de ritmos e sonoridade. O soul se tornou funk, e o acento foi para ritmos pesados, ao invés da saudosa melodia. Em Manchester, isso não aconteceu muito. Claro, ainda era uma black music bacana, mas muito funkeada e muito devagar para um público com a mente cheia de pílulas e anfetaminas. Eles precisavam de uma coisa com um pouco mais de urgência do que “say it loud, i`m black and i`m proud” (“diga bem alto, sou negro e com orgulho”). Então os DJs começaram a caçar profundamente e ir atrás de discos antigos que tinham o ritmo requisitado e o charme dos instrumentos de corda. Ian Levine, que mais tarde se tornou o disc jockey mais influente do Northern Soul, visitou pela primeira vez o Wheel no final de seu período de oito anos de existência. Ele recorda a mudança como a procura por obscuras velharias começou. “As pessoas estavam cansadas das mesmas músicas velhas - como “You`re Ready Now” de Frankie Valli e “Six By Six” de Earl Van Dyke - que tinham sido tocadas por anos no Wheel. Havia um público, uma audiência faminta nas noites, loucas de pílulas e anfetaminas, que queriam dançar aquele estilo dos discos da Motown”, diz Lavine. “Rob Bellars descobriu que se descobríssemos esses discos difíceis de achar, a cena sobreviveria”. Essa caça desvendaria um vasto universo de discos de soul negro (e, eventualmente, alguns execráveis brancos, também), até então desconhecidos. Ligeiros o suficiente para a diversão da juventude de ficar louco de pílula, e alguma vezes legais o suficiente para se destacarem e virarem hits pop. E conforme eles iam penando nas procuras pelo tipo certo de disco para suas pistas de dança, esses DJs estavam também aprendendo a trabalhar com o público - representando um tipo de sofisticação ao que emergiria em New York anos mais tarde. Não havia falas entre as músicas, apenas uma seqüência pura de soul com picos para deixar os “speed-freak-dancers” felizes. “Muitos DJs tocavam músicas numa certa ordem, por causa do jeito que as pessoas dançavam” lembra Bellars, descrevendo como ele tocava uma seqüência de três músicas do Bobby Freeman, “The Duck”, "C`mon And Swin” e “The Swim”, nessa ordem, porque elas construíam um tempo rítmico. “Você construía isso gradualmente, e em seguida tocava cinco músicas rápidas na seqüência. Depois você desacelerava um pouco, senão a coisa ficava maníaca”. Os visitantes do Wheel ficavam impressionados com o que viam. “A dança é sem dúvida a mais legal que eu já vi fora dos EUA”, escreveu Dave Godin, um colunista de black-music no Blues & Soul e o homem que começou a operação Tamla Motown na Inglaterra. Todo mundo lá era um experto nas ‘palminhas soul’. Nos lugares certos, e com uma selecionada e penetrante qualidade que adicionava algo a mais na apreciação da soul-music. Não havia uma influência oculta de tensão e agressão, como às vezes encontrávamos nos clubs de Londres, mas sim um benevolente e bondoso espírito de amizade e camaradagem. Notando a força da cena do soul no norte, Godin, que morava em Londres, foi a pessoa que criou o rótulo “Northern Soul”. Em 1970, inspirado pela sua primeira visita ao Twisted Wheel, Godin empregou o termo “Northern Soul” (soul do norte) em sua coluna no Blues & Soul. Godin abriu uma loja de discos chamada Soul City em Londres, na Monmouth Street, no bairro de Soho. Ele primeiro percebeu as diferenças de gosto entre o norte e o sul quando o pessoal do norte, vindo de viajens de jogos de futebol, procuravam por um som específico. “O que eu notei foi que as pessoas que vinham do norte não estavam comprando o que subseqüentemente foi chamado de funk”, diz Godin. “Aí eu comecei a usar o termo ‘northern soul’, que era pra quando tivessemos a loja cheia de sujeitos do norte, tocaríamos só northern soul para eles. Foi assim que o termo pegou”. O Twisted Wheel de Manchester concedeu muito da parte essencial do que ainda viria. Ajudou a inspirar o nome da cena, começou com a caça obsessiva dos DJs por discos raros e desconhecidos, deu a ele um mar de contatos de devotados (e musicalmente entendidos) ‘clubbers’, e lançou o começo de uma intensa afeição entre a jovem (e branca) classe trabalhadora do norte e a black-soul-music americana. E também se consolidou como o principal club da Inglaterra. No mesmo período, New York tinha os clubs mais luxuosos, a clientela mais bonita e um sistema de som que dava vergonha se comparado com o do Twisted Wheel. Mas isso não era importante. Culturalmente e musicalmente, o que estava rolando no norte da Inglaterra era anos luz a frente do que em qualquer outro lugar. Inspirados pelo Wheel, uma porção de clubs apareceram, enriquecendo ainda mais o contato entre DJs, fãs e colecionadores. Leicester tinha o Oodly Boodly (depois o Noght Owl), havia o Mojo em Sheffield (onde o DJ era o jovem Peter Springfellow), o Dungeon em Nottingham, o Lantern em Market Harborough e o Blue Orchid em Derby. Em Birminghan, tinha o Whiskey-A-Go-Go, que varava a madrugada e era informalmente conhecido como Laura Dixon Dance Studios. Entretanto, nenhum desses foi tão influente como o Twisted Wheel. Foi aqui que, em um porão em Manchester, uma geração de colecionadores, ‘clubbers’ e DJs se apaixonavam pela soul music. Fatalmente, a reputação do Wheel como paraíso de drogas extrapolou, culminando com o seu fechamento pela polícia de Manchester no começo de 1971. Ele só poderia ser reaberto se houvesse uma cooperação com a polícia, para que os tiras ficassem dentro do club durante toda a madrugada. Houve cenas emocionantes na última noite. “Sabíamos que ia fechar”, diz Rob Bellars, “e as pessoas choravam”. Vendo o legado do Twisted Wheel em junho de 1974, um ‘soul-boy’ disse para a Black Music: “algo mudou quando o Wheel fechou. Você sabe, nunca mais haveria essa mesma cena musical “tudo-pela-boa-música”.


O Catacombs e Farmer Carl

Um club inextricavelmente linkado com o Twisted Wheel era o Catacombs em Temple Street, Wolverhampton. Apesar do seu horário de fechamento cedo (fechava à meia-noite) ter limitado uma influência direta, foi aqui que muito do menu iniciante do Northern Soul foi traçado. Seu DJ, Farmer Carl Dene, fez mais do que talvez qualquer outro em construir sólidas fundações para o Northern Soul. Ele foi provavelmente o primeiro DJ na cena a se empenhar em descobrir discos raros, e um dos primeiros em sacar que ter mais raridades do que sua concorrência poderia ser de fato uma parte criativa da discotecagem. E por introduzir e emprestar discos aos DJs no segundo Twisted Wheel, ele foi responsável pela explosão de muitos hinos no começo do Northern Soul. Farmer Carl Dene (“farmer” veio de um chapéu que ele vestia; Dene ele achou um belo nome artístico), nasceu como Carl Woodrofle. Ele descobriu a soul music como primeiramente um freqüentador do Whiskey-A-Go-Go em sua cidade natal Birmingham. Depois no Mojo, em Sheffield, e no próprio Twisted Wheel. “Acho que foi por causa que você não podia ouvir isso em lugar nenhum”, ele diz, “Era único. Você não ouvia nas rádios. Você não ouvia isso em um club normal. Você tinha que ir e escolher um lugar; e havia apenas alguns desses lugares”. Um colecionador fervido, ele começou a discotecar no La Metro em Birmingham, depois no Chateau Impney em Droitwich e depois, no mais conhecido, Catacombs. Farmer Carl não apenas tinha bons discos, como raros também. Discos que ninguém tinha. Ao invés de tocar a versão mais famosa de uma música, ele ia atrás da cover mais crua, menos familiar e fazia dela famosa. Um exemplo é a fantástica “I`m Not Going To Work Today”, pelo Boot Hog Pefferley And The Loafers. Essa faixa tinha sido um hit não muito importante da Clyde McPhatter, mas Carl preferia a versão mais obscura. Ele comprou sua cópia no Roger Eagle. “Aquilo realmente me impressionou”, ele lembra. “Então eu comprei por 110 pounds, o que é uma puta grana!” “Ele foi o único que descobria discos que eram tocados no Wheel”, diz Ian Lavine, o único dos DJs que vê Farmer Carl como um mentor da cena. “Ele achou o álbum do Richard Temple chamado “That Beating Rhythm” pelo selo Mirwood Records. Ninguém acreditava que isso existia. Você tinha que ir ao Catacombs para ouvir”. Dene também introduziu o Sharpee com “Tired Of Being Lonely”, Gene Chandler And Bárbara Acklin’s com “From The Teacher To The Preacher” e o clássico northern soul Doris Troy com “I’ll Do Anything” (Troy depois fez os backing vocals para “Dark Side Of The Moon” do Pink Floyd). “Farmer Carl era o único que eles ‘endeusavam’”, declara Levine. Haviam outros DJs influentes, incluindo um renomado colecionador de Gloucester, conhecido como Docker. Ele fazia a alegria dos fãs de soul no Wheel, por carregar uma maleta de discos com tranca. Uma das gemas dentro dessa mala super segura era a única cópia no país do Leon Haywood de “Baby Reconsider”, agora respeitado como um clássico do Wheel. Embora a cena ainda estivesse em seus anos de formação, ela já tinha uma influência na ampla indústria da música - foi esse embrionário movimento do norte que semeou os primeiros “chart-hits” que vieram dos clubs ao invés das rádios. Quando a música “Just A Little Misunderstanding” de Contours 45 (originalmente gravada em 1965 e re-escrita por Stevie Wonder), alcançou as paradas de sucesso em janeiro de 1970, isso proclamou uma nova era na dance music na Inglaterra. Tami Lynn com “I’m Gonna Run From You”, do selo Polydor de John Abbey, distribuído pela Mojo Records, que alcançou a quarta posição nas paradas em maio de 1971, breve se sucedeu. Abbey, como o fundador e dono do Blues & Soul, estava em posição privilegiada em ver possibilidades para essa música. A confirmação desse novo fenômeno veio quando a música “Hey Girl Don’t Bother Me” de Tam, uma canção que Farmer Carl Dene fazia breaks no instrumental dela, chegou a n. 1 em Julho de 1971 na Inglaterra. “Todo mundo, particulamente as garotas, ficou louco com isso”, ele diz. “A companhia re-editou a música e Peter Powell, que era da Stourbridge, perto do Chateau em Droitwich, ouviu e a trouxe para a rádio. Ele se ligou no clamor da música”.





Outras fontes de Informação sobre o assunto:www.northern-soul.comwww.6ts.info/www.northernsoul.co.uk/ns/
*Este texto foi retirado do livro que conta a história dos DJ's e que tem um capítulo exclusivo sobre a cena Northern Soul. (vou achar o nome do livro e passo para quem tiver interesse em saber um pouco mais sobre djs e suas fases na história da música. Se não me engano o livro é todo em inglês. Este texto foi traduzido por Marcio Custódio*
RETIRADO DE
http://soulcomeshome.blogspot.com/search/label/Textos